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Começo de ano é tempo de tirar o planejamento anual do papel e agir!

  • Tais Bahov
  • Tais Bahov

    Jornalista, com especialização em Pesquisa e Branding

Para ajudar e esclarecer a importância do planejamento anual, conversamos com Manuela Borges, psicóloga e terapeuta cognitivo comportamental

Você já deve ter feito sua lista de desejos para 2022 e talvez até já tenha começado a tirar algumas coisas do papel. Ou será que precisa de um empurrãozinho para parar de procrastinar e dar andamento ao planejamento anual? Para nos ajudar a entender a relação dessas metas de início de ano com nossa saúde mental, conversamos com a psicóloga Manuela Borges. Ela é terapeuta cognitivo-comportamental formada pela PUC, mestre pela UFRJ, já trabalhou com neuropsicologia, fez cursos de especialização na Filadélfia e trabalha atualmente com crianças, adolescentes e famílias, buscando sempre uma abordagem preventiva para promoção do bem-estar emocional.

A pandemia fez com que a gente se preocupasse mais com saúde mental?

Ela começou a ficar mais popular com a pandemia. Antes se falava muito sobre saúde física como promoção de bem-estar e hoje em dia a gente sabe o quanto a saúde mental faz parte desse bem-estar.

O que é bem-estar emocional?

É um estado mais global, diferente de felicidade, que é uma emoção e, como toda emoção, ela é transitória. Tem alguns estudos que dizem que a emoção tem um período de duração que varia de 12 a 28 minutos mais ou menos. Na psicoterapia o que buscamos não é a felicidade, mas o bem-estar, que envolve saúde física, ou seja, estar bem fisicamente, seus órgãos funcionando, seu organismo estando 100%, sem estar avariado com alguma doença física. E também a saúde mental, que é você conseguir vivenciar as experiências da sua vida de uma forma tranquila. Não é que você não possa ter problemas, ficar com raiva ou ter preocupações. Mas perceber o que você está sentindo e conseguir gerenciar essa emoção de forma saudável.

O que significa gerenciar emoções de forma saudável?

Na terapia cognitivo-comportamental não tem essa coisa da emoção positiva ou negativa, porque todas as emoções são necessárias e têm uma função na nossa vida. O medo, por exemplo, que é uma emoção desagradável de sentir, tem uma função protetiva. Ele preserva nossa vida. Se a gente imaginar alguém que não tenha medo de nada, essa pessoa vai se colocar em risco com muita facilidade. Por outro lado, se a gente imagina alguém que tenha medo exagerado de tudo, essa pessoa vai se isolar e não vai se colocar disponível pra nenhuma das situações.

Então, gerenciar uma emoção desagradável de sentir é reconhecer que houve o impacto emocional, conseguir nomear essa sensação e buscar soluções saudáveis para ela. Não vou deixar de sentir medo, mas posso buscar soluções que me façam sentir um pouco mais encorajada para enfrentar a situação, ao invés de desistir dela. Ou, por exemplo, sentir a raiva, identificar que estou com raiva do que aconteceu, porém saber que não posso sair por aí desrespeitando todo mundo, quebrando coisas e tendo uma explosão de comportamento. É saber que estou com raiva, me sinto desrespeitada, mas preciso gerencia-la de uma forma respeitosa com os outros também.

Muitas pessoas falaram sobre o burnout neste final de ano. Estamos mesmo todos mais cansados do que o normal?

O burnout está relacionado a adoecimento, físico ou emocional. Tivemos que lidar com uma situação que demandou adaptações, novas ferramentas de trabalho, novas formas de gerenciar uma vivência e ao longo de muito tempo vivenciando essa adaptação, isso causou um cansaço extremo, uma vulnerabilidade no organismo, com maior chance de adoecer. Seja gerando um transtorno de ansiedade, uma depressão ou uma doença física, como uma gastrite, uma enxaqueca.

Mas de fato o cansaço apareceu de forma muito significativa porque não tínhamos mais as divisões de espaço e tempo, tudo ficou no mesmo ambiente, confuso, e a gente precisou gerenciar essas adaptações. O trabalho foi adaptado, a escola foi adaptada, a rotina de casa foi adaptada. Tivemos que passar por muitas adaptações e essas adaptações duraram muito tempo, então sim, isso gerou um cansaço talvez um pouco mais intenso do que estávamos acostumados a sentir no final de cada ciclo.

Outra coisa que gerou muito cansaço foi o online. Se você está no presencial você divide a sua atenção. Conversa com um, com outro, tem um estímulo, uma informação visual, uma informação auditiva. Quando a gente está numa videoconferência, por exemplo, tem que focar só em um quadradinho. Aquela informação é tudo o que você tem, então é preciso gastar mais energia pra se concentrar. O tempo ali na tela ficou muito extenso, nossa necessidade de aumentar o tempo de concentração aumentou muito, o que faz com que a gente se sinta mais cansado no final do dia.

Outro fator é toda essa tensão que a gente vivenciou por conta da vulnerabilidade de pegar ou não a doença, de agravar o quadro clínico, tudo isso faz aumentar a sensação de cansaço. Além das próprias perdas em si, com muitas famílias vivenciando emoções não agradáveis de sentir durante muito tempo. Uma pessoa que internou e ficou um, dois meses internada. Todo esse tempo de vivenciar essa gravidade, o medo de perder a pessoa querida, o bombardeio de informações negativas na TV todos os dias. Tudo isso faz com que a gente se sinta mais cansado.

O que fica de aprendizado para o futuro?

As mudanças tendem a ser muito pessoais, mas uma das coisas que a gente tem visto é que as pessoas estão ficando mais conscientes do coletivo. Antigamente alguém que ficava gripado ia trabalhar sem se preocupar muito com o outro. Ou uma criança que tinha uma coriza, ou tinha uma febre, ia pra escola. Hoje em dia há um cuidado maior com o outro. Esse cuidado eu espero que seja um legado. Além disso, acho que as pessoas também começaram a perceber a importância que têm algumas relações para elas. Pessoas que ficaram muito distantes ou sem o contato físico por muito tempo e começaram a perceber o quanto aquele contato, aquela relação, aquela conexão era importante para cada um.

Início de ano é tempo de planejamento anual, de traçar metas e começar a tirá-las do papel. Qual é a importância disso para uma vida mais saudável e harmoniosa?

O que acontece com a perspectiva de final de ano é que as pessoas renovam as suas esperanças. Os pensamentos passam a ser mais esperançosos, normalmente passam a ser um pouquinho mais positivos até. E na terapia cognitivo-comportamental, o pensamento vai interferir em como eu me sinto e na forma como eu ajo. É como se fosse um triângulo que se conecta. Se eu penso “opa, um novo ciclo está começando, agora eu tenho novas oportunidades”, eu já me sinto mais esperançoso e eu ajo em direção a esse novo planejamento. É uma mudança no pensamento que faz com que a pessoa acabe se sentindo melhor e partindo para a ação. E esse cultivo das emoções agradáveis de sentir é muito importante para o bem-estar.

Normalmente a pessoa só lembra da felicidade como um sentimento agradável de sentir, mas a gente tem vários outros: tranquilidade, a própria esperança, interesse, admiração, gratidão, orgulho. Quando a gente tem uma meta e corre atrás dela para alcançá-la, a gente tem uma sensação de orgulho muito grande. Isso renova a motivação para tentar conquistar novas metas.

Mas esse planejamento também pode trazer mais ansiedade quando você não consegue cumprir o que planejou, não?

Aí vem o que a gente chama de encontrar a dose saudável do planejamento e da rigidez. Eu tenho um plano, mas se eu ficar rígido naquele plano e não conseguir alcançar os passos para atingir aquela meta, eu vou ficar muito ansioso. Então eu tenho que ter um plano, mas preciso trabalhar com a flexibilidade, porque muitas vezes aquele plano não depende só de mim, ou outras coisas podem acontecer no meio do caminho.

Como lidar com planejamentos que não deram certo?

Volto para a importância do pensamento. Ok, deu errado, mas o que eu aprendi com essa experiência? Qual foi a parte que deu errado? O meu foco agora deve ser nas novas soluções. Se eu ficar remoendo o problema ou remoendo o fracasso eu vou me manter deprimida, ansiosa, entristecida e o meu comportamento vai ser paralisado. Eu preciso mudar meu pensamento, focar em novas alternativas e soluções (plano A,B,C,D) para eu poder mudar minha emoção e ficar mais motivada, mais empenhada em buscar outras alternativas para a minha meta e ir para a ação.

Para isso, muitas vezes, eu tenho que contar com minha rede de apoio. Essa rede familiar, profissional, acadêmica, tem relações importantes para que a gente possa dar essa pausa, fazer uma avaliação do que deu certo, do que deu errado, quais foram os aprendizados e focar em novas soluções. Quando eu divido a solução com outras pessoas, eu consigo novas alternativas, novas formas de pensar aquele problema, e isso me ajuda a criar novos caminhos para alcançar as metas.

Como deixar de procrastinar e colocar o planejamento anual em ação?

A gente esquece que os planos precisam ser monitorados. Eles não vão acontecer de uma hora pra outra. Se eu tracei um planejamento anual, eu tenho que ter mais ou menos em mente quais são os passos para alcançar essa meta e tenho que monitorar esses passos com alguma frequência. A cada um ou dois meses, fazer uma revisão daqueles passos. Eu estou no caminho? Me afastei do meu objetivo? Como faço para voltar? Ou: minha meta continua a mesma, meu plano continua o mesmo, ou eu tenho que pensar em outro plano mais realista? Ter metas realistas, alcançáveis, também é importante.

Vamos imaginar que eu sou uma mulher solteira e eu coloco como meta ter filho. É uma meta que envolve outras pessoas, tempo, planejamento de vida. Tem que ter em mente que é uma meta de médio e longo prazo e que você vai ter que construir o caminho para ter esse filho. Não é de uma hora para outra, não é tão fácil e não depende só de você. É importante ter metas alcançáveis, ainda que sejam difíceis, ter noção de quais são essas metas difíceis de alcançar e traçar passos um pouquinho mais detalhados, que podem exigir investimento de tempo, ou dinheiro.

A dica é dividir as nossas metas em fáceis, de média dificuldade e mais difíceis. Porque se a gente tiver na nossa lista só metas difíceis, a gente acaba o ano frustrado.

E uma vez definidas essas metas, como não procrastinar?

Primeiro, mudando os pensamentos. Eu só procrastino porque lá no fundo eu penso que dá pra fazer amanhã, que aquilo não faz muito sentido pra mim, ou que eu não estou com vontade de fazer. Os meus pensamentos fazem com que eu me sinta um pouco mais entediado ou desmotivado e a minha ação não acontece. Mas se eu mudo o meu pensamento e passo a dizer pra mim que é importante fazer agora, isso vai me levar a ter uma nova emoção, que é a motivação para eu colocar em prática o que desejo.

Então, a gente tem que mudar os pensamentos para que a gente possa, na sequência, mudar a nossa ação. E quando eu coloco em prática e tenho um resultado positivo, isso me motiva para das próximas vezes vencer a minha procrastinação. Então acaba virando um ciclo positivo de pensamento, ação e resultado positivo. Muitas vezes um comportamento não-planejado pode despertar um novo sentimento e um novo hábito. É preciso estar atento ao que a gente sente e como a gente percebe a situação vivenciada.

Os últimos anos foram de muitas perdas, tanto de pessoas quanto de hábitos, locais, rotinas. Como lidar melhor com perdas?

A sensação de perda vem acompanhada de ficar sem chão, sem referência. Você precisa de alguma forma lidar com sua zona de conforto. Temos falado em ampliar essa zona de conforto, fazer alguma adaptação na rotina, na família, no dia-a-dia para conseguir ampliar a rede de apoio, a zona de conforto. E uma vez que fazemos essas adaptações, ganhamos um pouco mais de habilidades, aprendemos a gerenciar as emoções, aprendemos que somos capazes de mudar algumas coisas e fazer diferente. Isso gera autoconhecimento.

Então: começar a olhar para as perdas como uma oportunidade de ampliar a nossa zona de conforto, o nosso conhecimento sobre nós mesmos, sobre as relações, o nosso trabalho, sobre quem era importante pra gente, e então começar a desenvolver uma nova forma de ver as situações.

Às vezes a perda nos remete a uma memória de infância, a uma sensação agradável, a um momento muito bom da nossa vida. Ok, então é importante fazer mais vezes essas coisas: ouvir aquela música, ir a determinado lugar ou relembrar aquelas situações agradáveis que foram vivenciadas. Às vezes a gente precisa de um tempo para entender e dar significado às coisas e esse tempo é muito variado. Toda perda envolve uma reação de luto. Tem momentos de raiva, tristeza, de tentar resgatar e depois aceitar e tentar dar um novo significado à situação. Um luto que dura três meses a gente diz que é um luto saudável, normal, para além disso, pode ser um luto patológico, que talvez precise ser avaliado.

Como dosar o tempo de fora, que parece que nos exige sempre uma resposta rápida, e o nosso tempo interno?

Essa é uma pergunta bem legal porque faz a gente lembrar de uma habilidade muitas vezes não desenvolvida ao longo da vida que é a assertividade. Assertividade é conseguir entender o seu limite e entender a necessidade do outro, mas colocar um limite naquilo que você sente. Envolve negociação, empatia e solução de problemas. Por exemplo: chefe, entendo que isso é muito importante para você e vou me esforçar para fazer no tempo que está me pedindo, porém, eu estou doente, com as crianças dentro de casa, talvez eu precise de um tempo a mais. Como a gente pode negociar e gerenciar isso juntos? É entender a importância da demanda para o outro (o que mostra a sua empatia), mas também saber colocar o limite naquilo que é seu, que talvez você perceba que não consiga dar conta e focar numa solução em conjunto.

As pessoas muitas vezes encaram a assertividade como grosseria, desrespeito, pela forma como ela é feita. Mas a assertividade é como um ponteiro que está no meio do caminho entre o passivo de um lado, que aceita tudo, e o agressivo do outro.

A tecnologia traz a necessidade de estarmos conectados e atualizados o tempo todo. Como lidar com isso de uma forma mais harmoniosa e tranquila, sem ter crise de ansiedade?

Surgiu, nos últimos anos, o termo FOMO – Fear of missing out, que é o medo de ficar de fora, de não estar atualizado com tudo. E é impossível a gente estar atualizado com tudo o que acontece no mundo o tempo todo. Precisamos entender que isso não é atingível, nem saudável. E mais uma vez isso tem a ver com a nossa capacidade de se conhecer e limitar. Outra coisa é que a tecnologia foi feita pra ajudar. Os algoritmos fazem a gente receber informações interessantes o tempo todo. Mas a gente precisa saber colocar o limite. E ter modelos de uso saudável da tecnologia é importante.

Para isso é preciso gerenciar expectativas que muitas vezes estão no outro, não?

Aí cabem regras claras e combinados claros. A comunicação é fundamental, tanto para o lado profissional quanto para o pessoal. Claro que isso pode não funcionar de primeira, a gente pode ter que repetir até que esses combinados sejam entendidos. Eu gostaria muito que a gente atingisse o cuidado mental como prevenção. Uma vez por ano as pessoas fazem um checkup de saúde física, mas ainda não têm essa preocupação mais preventiva com a saúde emocional. Todo mundo tem momentos mais tristes, difíceis, e o psicólogo pode ajudar bastante nesse sentido. Não é preciso estar em sofrimento intenso para buscar ajuda. Ninguém espera a dor de dente chegar no auge pra buscar atendimento. O psicólogo também deveria ser assim, porque quando a gente busca suporte emocional no início é muito mais fácil de lidar.

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